Amarelo - Centro Cultural São Paulo CCSP
2016
Em poucas mas cuidadosas palavras, a produção visual de Fabio Morais apropria-se do texto ora como sítio de intervenção artística, ora como instrumento de intervenção no mundo. Em sua mostra para o Centro Cultural São Paulo, o projeto arquitetônico do espaço expositivo torna-se espaço da página. O texto está impresso no edifício, obedecendo normas gramaticais, regras de pontuação e réguas de formatação que, aqui, equivalem à topografia, ao tecido social e a convenções políticas que estruturam a arquitetura. Por números espalhados pelo chão, o artista indica apenas as notas de roda-pé que amparam a engenharia do texto.
As notas de roda-pé não pertencem a uma estrutura hierárquica de um corpo principal e um secundário. Elas embasam ao mesmo tempo que são independentes do texto que as tornou necessárias. O leitor, em seu livre-arbítrio, pode conferi-las ou não, fica a seu critério. E é a partir da tecnologia do livre-arbítrio que Fabio Morais nos convida a descortinar uma topografia machucada pelo histórico da colonização; uma arquitetura que foi inaugurada inacabada – e que permanece inacabada – por motivos eleitoreiros de uma política militar suja e violenta; uma arquitetura que cita a trama de um tecido social corroído por uma osteoporose burocrática. O acaso é funcional, diz a primeira nota de roda-pé que ampara uma leitura possível, mas a ignorância frente a inexorabilidade do acaso é disfuncional.
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Em Notas, a arquitetura é metáfora de linguagem e o texto é metáfora de construção e portanto – não por oposição, mas contiguidade –, desconstrução e destruição. As oposições e antagonismos são obsessões do histórico moderno, mais antigas que o edifício/texto que ainda persistem no imaginário da cultura. As aspas também, como diz Viveiros de Castro, são um dispositivo citacional antigo, aliás nem tão antigo assim, um objeto muito mais complicado semanticamente do que parece. As aspas são instrumentos de apropriação, mas também distanciamento; que destacam, mas também marcam corpos estranhos.
Há na construção do texto pelo qual Fabio Morais nos propõe a viajar um único uso de aspas: na coluna central do edifício ladeada por um hidrante e pela pedra fundamental. As aspas encampam esses três elementos. Não se trata de apropriação uma vez que inexiste a nota de roda pé que normalmente acompanha a citação indicando sua fonte. Tampouco trata-se de distanciamento, pois por decisão manifesta ou simplesmente presumida, Fabio as posicionou no ponto de convergência de apoio do edifício, no centro da arquitetura do texto.
As aspas aqui constroem relevo. Tencionam o ponto de sustentação de um discurso que nunca se propôs diálogo, apesar de se entender democrático – a mecânica do diálogo é pendular. Expõem os fundamentos do conceito conservador e reacionário que enredam a vida social e portanto – não por oposição, mas contiguidade – covarde e ignorante. Para a construção do conceito, usa-se também suas contradições; elas lhe dão a mobilidade que o mantém em pé, como edifícios em zonas de terremotos, daí o extintor. O relevo surge da umidade da história que ainda intersecta e mofa aspectos do contemporâneo. Mas é preciso ir adiante. Em outros aspectos, citações viram saques e tornam-se discurso indireto livre. E a arte, caso esteja na intersecção da bruxaria e política: mágica e despacho.