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BOI BALA BÍBLIA: CI, mãe do mato e tecnologias de gênero - SELVA FUNARTE

2016


A terra gira a 1670 km/h na linha do equador. A velocidade decresce a medida que o cosseno da latitude aumenta, ou seja, na latitude de 45 graus, o cos(45) é igual a .707, e a velocidade da terra é medida por .707 x 1670, o que equivale a 1180 km/h. O equador é a região do planeta que contém a maior quilometragem de selvas. Elas giram mais rápido que os grandes centros urbanos; mais rápido do que as operações logarítmicas das bolsas de valores dos grandes centros urbanos. Apesar da hierarquia proporcionalmente invertida – porque a modernidade e seu pós sempre se amparam por hierarquias -, o BOI BALA BÍBLIA gira a esmo. Um esmo perigoso. Mas Ci, mãe do mato sabe que o maior desinfetante é a Sol. Ci gira a 1670km/h

Vei, a Sol

 

 

 

BOI BALA BÍBLIA: Ci, mãe do mato e tecnologias políticas de gênero, em Cinco Movimentos:

 

Primeiro Movimento

 

Iracema (primeiro índex econômico: o Brasil é o maior exportador de café, o que consolidou seu projeto econômico como um de dependência total ao capital externo. Iracema é o mito da mulher nativa que se apaixona pelo homem branco externo e a destitui de sua natividade, do seu ser índia. O “ela” - pronome pessoal feminino – das Américas, das Terras Virgens, é penetrado pelo Homem tecnológico das Cruzadas. O Verbo Eterno da língua externa: penetrar. A língua nativa não tem pronome pessoal. Ref. bibliográfica: José de Alencar Iracema, de 1865. Ver também: Shakira La La La)

 

 

Vôte vôte coandu!

Vôte vôte cuati!

Vôte vôte taiaçu!

Vôte vôte pacari!

Vôte vôte canguçu!

           Êh!...

 

Segundo Movimento, em dois atos

 

Norma Iracema (resultante da política pública brasileira mais duradoura e difundida em solo nacional, a saber, o “branqueamento” da população como sinal de progresso econômico e social. Mulheres nativas e afrodescendentes deveriam deixar-se penetrar pelo Homem branco tecnológico daqui, mas com sangue de latitudes onde a terra gira mais devagar. Iracema, nesse momento, era branca de olhos azuis. Ref. bibliográfica: O Cruzeiro, nº 29, ano XXIII, edição de 5 de maio de 1951. Ver também: garota-propaganda da Coca-Cola Gaby Amarantos)

Dominique Iracema (em 1958, o artista e arquiteto Flávio de Carvalho integra uma expedição à região amazônica. Seus planos eram de realizar um filme surrealista que uniria pesquisa ficcional e etnografia: Dominique Iracema teria sido a mulher branca raptada por índios sauvages e tornada deusa indígena.  A produção de “A Deusa Branca” se revelou um enorme fracasso e o longa metragem jamais foi concluído. Sabe-se que 1958 foi o ano em que houve recorde de índices pluviométricos na região do equador. A produção cinematográfica daquele ano na região sofreu um enorme declínio, pois os rolos de filme chegavam mofados no processo de importação. Uma resistência climática ao projeto jesuíta-dêêneático-moderno e sua violência programada, sugerem alguns historiadores. Ref. cinematográfica: o documentário “A Deusa Branca”, dir. Alfeu França, 2014. Ver também:  Monika Lewinsky e cyber bullying)

 

 

ENTRE PROSPERO ET CALIBAN

T'A PERDUS TA RAISON

 

Terceiro Movimento

 

Iracema (segundo índex econômico: Iracema é agora uma prostituta miscigenada que vende seu corpo por poucos trocados na inconclusa Transamazônica. O Brasil está sob o regime militar, com índice inflacionário de 41% ao ano. Ref. cinematográfica: Iracema, uma transa amzônica, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna, 1976. Ver também “Hit me Baby One More Time”, do fenômeno mercadológico Britney Spears, aos 17 anos de idade)

 

Linda pastorinha

Que fazeis aqui?

 

Vim buscar meu gado,

         -- Maninha,

Que eu aqui perdi

 

 

 

 

Quarto Movimento

 

 

 

Über Bünchen Iracema (terceiro índex econômico: especulações sobre a supostamente branca, mesmo que colonizada, latina-só-que-não, plasticizada e hetero bilionária. A pós-Pré-sal Iracema: um faux pas programado na imagem da mulher emancipada com coração de um  jovem soldado emocionalmente perturbado; ou ainda uma Kalashnikov avariada que injeta violência militar no capitalismo fofinho de twits e likes, como objetos sem sujeitos. BIBLE BULL BULLIT, They made it! Ref. cinematográfica: The Neon Demon, dir. Nicolas Winding Rfn, 2016. Ref. bibliográfica: Virginie Despentes, Teoria King Kong. SP: N-1 edições, 2016. Ver também Beyoncé “***Flawless”)

 

Meu boi bonito,

Boi alegria,

Dá um adeus

Pra toda família!

 

Ôh…é bumba,

Folga meu boi!

                       Ôh…é bumba,

Folga meu boi!

 

Quinto e Último Movimento

 

Vei Marielle (Ci, mãe do mato não queria brincar. E cansou das penetrações tecnológicas dos Homens das Cruzadas e de sangue de giro lento. Mandou Marielle pro Rio como aviso, sabendo do risco. Marielle marcou bobeira, caiu na armadilha do gigante Piamã e foi alvejada com 9 tiros. Ci a trouxe de volta pra Vei e Vei tornou-a uma mexa de seu cabelo vermelho pra aquecer, alvejar e alimentar todas as selvas: as da linha do equador e as de gelo e as de prédios e de antenas. E de lá, Vei Marielle disse: Como vão as coisas my friend Luís, meu anjo? Que degagé flamífero, ignívomo, devorador te assuntou, meu irmão de cor?! Se avexe não. Daqui é outro tempo, outra vista, outros 1670km/h. Desde os tempos coloniais, o povo das selvas sofre na carne, nos bolsos e nos sentimentos os efeitos da traição de suas elites à soberania nacional. Fez-nos falta, faz-nos falta uma sociedade nativista, orgulhosa de sua linha de cosseno 0, rápido, eclodindo sua vitalidade via Sul. Custou-nos caro sermos o último país a libertar o povo negro da escravidão. Pagamos até hoje o preço da combinação deletéria de trabalho escravo com agricultura de subsistência ou agroexportadora, que comeram as milongas, os fogos de artifício, as saraivadas, a feijoada e o whiskey com cerveja. Canibais sem rito. Famintos sem transcendência. Urubus com nojo de carniça. Eles me viram e acharam que eu era onça, mas na verdade eu era mãe, gay, preta. E mãe-gay-preta que é alvejada não morre, vira mexa de Vei e volta pra lavar todo o ziriguidum dos caititus que um dia foram gente, que achavam que eram escravos da cabeça e que diziam Aí tem coisa, mas depois lembravam que foram caititus e que, como os filhotes de tarântula,  viram que a cabeça não fazia mal não.

 

Antianti é tapejara,

                        --- Pirá-uauau

 

Nem o discurso do ódio, que hoje contamina nossa linha de giro rápido de capoeira de angola e faz germinar uma direita hidrófoba, psicopata, disjuntada de qualquer razoabilidade, haverá de impedir que os caititus  se transformem no sujeito de sua própria história. Caititus têm talismã de voto. Porque não há noites eternas ou mal que sempre dure. O melhor desinfetante é a sol; não há podridão, não há obscurantismo, não há corrupção ou tramoia que resista à luz da sol. Nada sobrevive à desinfecção do esclarecimento e da transparência. Porque a luz antisséptica da tapejara dos fatos ilumina, escancara uma sequência de derrotas, dificuldades e frustrações das políticas neoliberais que botam o toaquiçu pra fora e machuca muita coisa nessa vida. Mas pra cada Silvério dos Reis, multiplicaram-se os Tiradentes, os Zumbi dos Palmares, as Maria Felipa, as Maria Quitéria, as Iara Iavalberg, as Elenira Rezende, as Olga Benário, minhas irmãs e irmãos tarântulas. Tu eres uma ideia e estás aí, eu sou carne e estou aqui, por força de Ci. Todo o problema é o pronome reflexivo “si”, meu irmão de cor, nesse jogo de espelho de hierarquias invertidas, inventadas - nunca intercambiáveis - pela força do Homem que acha que é onça mas que é Homem tecnológico e que foi ensinado que a única coisa que lhe resta é penetrar. Ai, irmão, fala sério. Ci não queria brincar. Não estava pra brincadeira. Antes das férias, vais voltar. E toda a selva vai cantar NÃO VIM PRO MUNDO PRA SER PEDRA, antecipando o carnaval).

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