Sorte no jogo, azar no amor - Centro Cultural São Paulo CCSP
2013
1) As aparentes dicotomias exterior-interior em Paredes Falsas (2013), comunicação-contemplação em Permeável (Perto Demais) (2012) e tudo-nada em Aposta (2013) parecem tratar-se de um chequemate dialético, mas não. Os três trabalhos apresentados por Daniel Escobar na Galeria Olido, como parte do Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo de 2013, somam intercursos cruzados entre si, dentro da narrativa expositiva, e para além-muros, numa narrativa da burocratização da espontaneidade que costura nossas relações na e com a cidade contemporânea. As estruturas arquitetônicas provisórias do outdoor publicitário com o painel temporário do espaço expositivo das Paredes Falsas ilumina a equivalência do ato de contemplação ao de consumo da arte. Permeável (Perto Demais) consiste em camadas de imagens fúteis – a partir de imagens excedentes de empresas de colagens de cartazes em outdoors – perfuradas e sobrepostas de modo a interromper a funcionalidade imediatista e histérica das imagens publicitárias, criando uma paisagem de representações carregadas de silêncio sinuoso. O “painel eletrônico” estático de Aposta, que alude ao enriquecimento fácil ao alcance de qualquer jogador, sugere que a própria vida tornou-se uma grande loteria: numa sociedade de contornos políticos de favoritismos, elitismos e privilégios concedidos a alguns, o mérito não tem lugar; a sorte vira um elemento determinante na condução da vida, atrofiando a capacidade do livre-arbítrio. Mas o espontâneo não está no jogo, está no amor. Azar…
2) Trata-se, sobretudo, da presença do presente que não passa, como diria João Adolfo Hansen. De movimento inexorável, esse presente sem vento segue em direção a um futuro que aparece como bloqueado. A desierarquisação do valor cultural pelo capital produz uma realidade em que tudo aparentemente pode coexistir com tudo. Sorte e azar, amor e jogo, frustração e gozo. As dicotomias modernas tornaram-se trocadilhos equivalentes de impacto em headlines publicitários expostos em outdoors pela cidade. Em uma cidade que reprimiu a consciência de sua existência. Nela, aparentemente todo e qualquer evento está previsto como troca no fluxo controlado dos negócios, com pé-direito cada vez mais baixo, terraço grill e seis vagas na garagem. Sem vista.
3) Para reativar o livre-arbítrio, digite um. Para protocolos de meritocracia, digite dois. Para desbloquear o futuro, digite três. Para desbloquear a vista, digite quatro. Para vento contra o rosto, digite cinco. Operação inválida. Por favor, selecione apenas uma das opções do menu principal. O desbloqueamento do futuro com vista está indisponível no momento. Digite zero para voltar ao menu principal. ... Para desbloquear o futuro, digite quatro. Quatro. Digite seu CPF. Dados inválidos. Digite pausadamente seu CPF. Dados inválidos. Digite pausadamente seu CPF ou número do cartão de crédito. Dados incorretos. Sua ligação está sendo transferida para um de nossos assistentes. Ao final, não desligue. Aguarde para realizar a pesquisa de satisfação. Obrigada. Para sua segurança, essa ligação poderá ser gravada.
Bip bip bip bip...
Nota: João Adolfo Hansen, “A temporalidade na cultura contemporânea”. In Conversas no Ateliê: palestras sobre Artes e Humanidades. PALLAMIN, Vera; FURTADO, Joaci Pereira (orgs.). São Paulo: FAUUSP, 2002