Teu amor eu guardo aqui - Paço das Artes
2012
Assim
Você foi um dia
O que nunca seria
Se não fosse a minha fé
Acredito no bonito
No lado fantástico
Por mais que esquisito
Seja
Pense Nisso
Na minha mania de acreditar
No puro prazer
Na diferença do ser/estar
Trecho de “ASSIM”
Música: Rita Figueiredo
Letra: Rick Castro
Ground control to Major Tom
Ground control to Major Tom
Take your protein pills and put your helmet on
(Ten) Ground control (Nine) to Major Tom (Eight)
(Seven, six) Commencing countdown (Five), engines on (Four)
(Three, two) Check ignition (One) and may God’s (Lift Off) love be with you
This is ground control to Major Tom, you've really made the grade
And the papers want to know whose shirts you wear
Now it's time to leave the capsule if you dare
This is major Tom to ground control, I'm stepping through the door
And I'm floating in a most peculiar way
And the stars look very different today
For here am I sittin' in a tin can far above the world
Planet Earth is blue and there's nothing I can do
Though I'm past one hundred thousand miles, I'm feeling very still
And I think my spaceship knows which way to go
Tell my wife I love her very much, she knows
Ground control to major Tom, your circuits dead, there's something wrong
Can you hear me, major Tom?
Can you hear me, major Tom?
Can you hear me, major Tom?
Can you...
Here am I floatin’ round my tin can far above the Moon
Planet Earth is blue and there's nothing I can do
“Space Odity”
Música e letra: David Bowie
O planeta terra é azul e não há nada que eu possa fazer quanto a isso. Para os terrenos, talvez isso seja sentido com angústia porque atesta à finitude (do ego, do “eu ocidental), ao limite (do progresso linear) e ao recorte fino que é o ser humano (história + biologia). Para o Major Tom, é uma experiência de alvedrio físico e formal, incrivelmente libertador, justamente por atestar à finitude (azul), ao limite (a bola) e ao recorte fino que é o ser humano (terra). O deslimite e a complexidade tornaram-se armadilhas alienantes de um totalitarismo do flexível, da crítica hegemônica dividida em zilhões de subtítulos. O planeta terra é azul, e tudo bem.
Não se trata de matar a dimensão analítica da descrição, mas de engrandece-la: quem morreu fui eu, baby, que é ser-vivo de Outra forma, sem crer, a crer, acrer, acrer e ditar (“coitados dos que crêem; vai ver que jazem crendo”). Acreditei. Transmutei. Transcrimupassei o Portal 3PV1, assim que comecei esse escrito. Te vejo do cosmo cor de burro-quando-foge, que é aquele dos recém-mortos (“quero já meu amor perto de mim, apertando-me a mão, palma-a-palma, oh, porque está tão longe, não veio”). É lindo. Daí, vemos a cor como reflexo que aparenta uma conformação improvisada em acorde com o ritmo do que se acha que são todas as coisas; daqui, vemos como luz que causa alteridade de ser o néon do Outro: a cor burro-quando-foge como um cobre brilhante, triplicado (3) PV, sem 1 código de felicidade programada.
Só de liberdade. Da participação ativa voluntária quando colocada diante de, em torno de, ou rodeada por sistemas estáticos ou de movimentos voláteis, sendo que sua atuação modifica ou encerra mudanças de participações segundo sua vontade, e não segundo uma crença. Transcendendo-as. Como o cosmo lilás cintilante, daqueles que já não precisam crer há muito tempo, daqueles que nem sabem mais, mas daqueles que são (tal como o amor, que não tem que ser nada. Ele já é). O Willys, a Lygia, o Beuys, que são do cosmo de luz lilás cintilante. O primeiro diz que o objeto não é objeto, é habitáculo. Já a Lygia diz que o objeto não é objeto, tem que ser experiência vivida. O Beuys recupera da carga simbólica do objeto sua forma plena para radiar suas próprias substâncias e inteligências. Que, no final, são as mesmas tropicações.
Não é uma questão de criatividade, mas de abravanações, de uma ética de ser anterior a qualquer pretensão hereditária de pressupor que comunicação equivale a entendimento, ou de sucumbir ao vício por novidades. Beuys veio ao cosmo cobre cintilante – maior condutor de energia – e me diz e te diz que o humano é fundamentalmente espiritual e que há de se recuperar a capacidade dessa forma de equilíbrio que se perdeu (Hélio te manda um beijo). Os teus AMOS e suas movimentações de amor; das destruições, pausas e renascimentos que causam cada camada do teu Portal 3PV1 – tudo parece se relacionar às necessidades comuns e ao interior da vida de qualquer indivíduo. É uma questão de diluição e dilação.
Sim, porque a história humana (dos que crêem) é a superfície fervente da panela da biologia ordinária; somos (fui) carnes que caíram num tipo de rede atrativa pelo devir da História, que nos esculpe (vos esculpem) a partir da cultura, da consciência, das psicodelias, das tecnologias. Mas as mesmas pessoas que administram essa estória toda sabem que essa mesma História (dos programas de linguagens formando capacidades felizes sem perceber a diferença entre ser e estar: os banqueiros, alguns escritores, alguns artistas, os publicitários, os jornalistas) está chegando ao fim.
Todos somos culpados; o humano não pode ser visto como um problema social e sim como solução elegante. ASSIM, teu amor eu guardo aqui.
São as luzes dos seus cacos, amor, que te fazem todo, que eu trago comigo para me refazerem de novo. Aqui. Transparente e luz (“Algo é previsto pelo artista, mas as significações emprestadas são possibilidades, suscitadas pela obra, não previstas. Incluindo a não-participação nas suas inúmeras possibilidades também”). Em todo caso, é como se habitássemos esse limite impossível (ser/estar; viver/morrer) e a reversibilidade enigmática (cor/cor) dessa gosma energética toda. Nada é possível (a terra é azul), tudo é possível (a terra é azul), e continuamos à cata dos sinais, dos signos, dos comutadores para conjugarmos uma risada cósmica, uma gargalhada planetária de amor e cura.
Nota: referências de outros mortos (dos cosmos lilás cintilante e cor de burro-quando-foge-cobre-brilhante) utilizadas aqui:
- David Bowie, “Space Odity”, do álbum Space Odity de 1969 , lançado pela Philips Records
- Helio Oiticica, “Crelazer”, Revista Galeria de Arte moderna, 1967
- Helio Oiticica, “Parangolés”, Revista Galeria de Arte moderna, 1968
- Willys de Castro, “[Associações de Artes Visuais Novas Tendências]”, original datilografado sobre a Associação de Artes Visuais Novas Tendências. In Roberto Conduru, willys de castro (SP: Cosac Naify, 2005), pág 156
- Suely Rolnik, A Geopolítica da Cafetinagem (2006) http://eipcp.net/transversal/1106/rolnik/pt
- “Joseph Beuys – Transformer”, dir. John Halpern, 1988, 59min. Filme-docuemntário transferido para DVD
- Erasmo Carlos em entrevista com Bia Corrêa do Lago. Programa “Umas Palavras”, TV Futura, veiculado em 01/03/2010 (porque os mortos só assistem TV aberta).
- Peter Pal Pelbart, “Suwa – Mais”. Palestra ministrada em 05/03/2010, Caixa Cultural, Rio de Janeiro.