One thousando tears of a tarantula - Projeto Expiração
2011
Sabe, vou começar pelo fim. Talvez assim você entenda, mesmo que não fale sobre o começo. Afinal de contas, você sabe, somos pessoas diferentes daquelas que vão a lugares, mas que não saem do mesmo lugar. Dos segundos para minutos a horas, sabemos que é tudo tempo. Não é tanto uma arbitrariedade – o tempo –, mas uma determinação involuntária. Ontem à noite, hoje à noite – o ontem de amanhã –, dá igual no grande esquema das coisas no mundo, que é um só – tempo; veja: singular.
SM 331 02:03:10
O fato moderno é que já não acreditamos neste mundo. Nem mesmo nos acontecimentos que nos acontecem: o amor, a morte. Como se nos dissessem respeito apenas pela metade. Do ‘a partir’ sempre. Tentamos ser isso: sempre de um começo. Mas é inevitavelmente sempre uma colagem, sempre uma re-codificação de algo prévio, que guarda uma autoria que expirou para começar algo novo, aspirou a um original, mas que se mostrou de uma simultaneidade inebriante, vindo de vários antes, que sempre guarda uma indexicalidade do anterior, uma organização anterior, outras formas de escrita já anteriores, imagens que já existiam, mesmo que subjetivas, mesmo que de arquivos em computadores pessoais. O original é tão vazio quanto a imensidão do buraco da letra ‘o’, imensidão essa incomensurável, mas de merecido respeito. O original é vazio e não existe. Todo o mundo já viu todas as imagens. As feitas e as para serem feitas. E é fato: o original foi inventado pelos seres inteligentes que viveram o sofrimento necessário para terem visto o inferno e terem compreendido o que viram.
GD /PPP 3 03:10
Toda a vida é, obviamente, um processo de demolição. A expiração pode ser a última, mas é dela que nasce a necessidade do primeiro sopro. A imagem, aquilo que vai a lugares sem sair do mesmo lugar, sempre foi tecnicamente muito bem preparada, em par com suas tecnologias contemporâneas, mas inábil, inadequada, forçada a carregar o regime de obsolescência programada. Por mais absurdo que pareça, você esperaria, almejaria, necessitaria - por puro vício orgânico - uma espécie de fim, ou de expiração, ou de recomeço – dá igual. Entende? A dificuldade técnica cairia sobre o fato explícito de que não conseguimos aceitar que algo simplesmente se acabe, se deteriore, se finde nesse mundo (há algo mais natural e artificial ao mesmo tempo que um futuro do pretérito? O monumento e anti-monumento de um ato subserviente que afirma não mais que um reflexo daquilo que já houve, sobre o qual já se decidiu).
EF/PPP 5 03:10
Percebe-se portanto que existe uma ordem paralítica naquilo que se mostra impalpável por ser dinâmico, imaterial por ser imagem, vivo por ser memorial. A expiração, o fim, a morte – ou qualquer uma das alternativas anteriores – põe tudo em movimento de novo. Um instinto latente (o futuro do pretérito), uma memória hereditária (o relembrar como um lugar de repouso). São apenas clichês – o arquivo: puro clichê.
DC (põe o numero desta página do catalogo aqui, pls) 04:10
Já testemunhei 3 mortes dela. 3 mortes e quatro vidas. Econômica, inesquecível e agressivamente 4. Tentei expirar tudo aquilo que foi inerentemente construído para nunca deixar de ser. Foi difícil, sim. Tentei de novo: expirar tudo aquilo até o ponto em que a interrupção de devires fosse confundida com a naturalidade de todas as coisas palpáveis. Fui incapaz, senti que agrediu. Por outro lado, se não agride, só se defende; se não agride, não vive, só existe. Então aqui, oxalá, que agrida – por favor.
SM 432 02:03:10
Algo aconteceu, mas ninguém saberia dizer o que foi. As coisas já não se encaixam, as pessoas já não se encaixam, as ações e as reações já não se encaixam (como assim fazer com que alguma imagem deixe de existir sem que um crash aleatório aconteça? Como assim? Um suicídio programado, voluntário, com toda a coragem e covardia necessárias), as palavras já não se encaixam, os gestos já não se encaixam. É todo um regime de encaixe que entra em crise, que se vê abalado por algo excessivo que extrapola qualquer clichê, qualquer representação, qualquer narrativa, talvez qualquer imagem. Eu te disse que eu não ia te falar do começo. Fica como um segredo indizível entre a gente.
PPP/GD/PPP 05 03:10