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Triz - Museu Castro Maya

2014

A prática de João Modé se estabelece a partir de uma ética do afeto pelo objeto ou ambiente com ou no qual o artista se relaciona. A sutileza impactante de suas intervenções dá-se pela dinâmica interna entre esses “corpos”, que implica uma relação horizontal de troca entre eles: o artista escolhe os objetos mas os objetos também o elegem; João observa o espaço, que reage e imprime seus movimentos e ações a serem realizados nas obras.

 

E finalmente nos vemos em uma reta. João me diz: “é aqui”. Uma reta coberta por malhas de cipós, raízes de árvores centenárias cujas copas se encontram no alto e adensam este espaço que já foi floresta intocada, já foi cafezal, já foi jardim de casa de veraneio e que tornou a ser floresta. Quiçá a reta já existisse como tal antes de tudo isso, quem sabe? Uma espécie de geometria acidental, uma arquitetura imprevisível ou uma sorte exata da natureza. É neste espaço que condensa camadas de folhas, musgo, solo, tempo e história que João Modé adentra para realizar suas intervenções no Museu do Açude.

 

“Olha, Dani...”, João silencia quando da abrupta mudança na luz e no som ao nosso redor, “É isso; já está tudo aqui”. Uma nuvem havia nos envolvido, os macacos-prego também silenciaram e a brisa parou. As plantas silenciaram. O espaço virou paisagem, “nós” – as plantas, o vento, os animais, João, eu – viramos objetos nela. Na nuvem abriu-se uma clareira e a luz voltou, o som da floresta tornou-se reconhecível, retomamos o assunto e pudemos sentir novamente as coordenadas do lugar. Durante aqueles poucos segundos, ao ver o processo do artista se descortinar na minha frente, quase por um triz pude testemunhar o derretimento das fronteiras que separam o observador da coisa observada, do artista como propositor e o entorno a ser trabalhado, o sujeito do objeto. E vi, nesse derretimento, uma entrega, ou aquilo que o faria definir a qualidade da sua intervenção neste espaço: “Vai ficar tudo aqui”. 

 

O passado vem de frente numa brisa e encontra elementos geométricos e figurativos feitos de argila crua e do barro do próprio solo por onde estão distribuídos. São sólidos quadrados que se tocam por seus vértices; são correntes que acompanham as curvas dos cipós, e troncos de árvores esculpidos com seus galhos talhados formando pousadas para espécies de pássaros e animais – todos lançados aos efeitos de erosão exercidos pelo tempo, pela chuva, pelo vento e pela luz.

 

Os objetos são portanto instantes de presença, que sofrem um processo de derretimento passando por formas imprevisíveis e incalculáveis antes de serem absorvidos pelo chão, onde vão permanecer em contato com os escravos dos tempos coloniais, com a economia do café, com os saraus aristocráticos de Castro Maya. A ocupação proposta por João Modé para o Espaço de Instalações – Projetos Temporários será no futuro mais uma camada de passado deste lugar, estabelecendo aí um elo. Será memória vivida, vinda a cavalo desde depois para o agora até o antes.

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