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Vit D - pushempurre edições

2020

O pai d’Ele era diretor do Carandiru desde o final da década de 50. Diz-se que era muito dedicado, muito sério, um monolito. Implantou políticas de bem estar e proteção psicológica aos detentos, inaugurando assim discussões sobre direitos humanos condizentes a essa parcela da população: trabalho e visita íntima, por exemplo, para os homens. 24 horas com o bebê recém-nascido, para as detentas. E coisas do gênero.

Mas já em 1965, um ano após o golpe militar, rumores espalhavam que haviam indícios de tortura de presos políticos como método de cauterização de qualquer indivíduo, ação, facção, movimento, guerrilha, ideologia, respiração que se opusesse àquele regime.

Não havia presos políticos no Carandiru nessa época, mas o pai d’Ele foi indiciado a depor como suspeito de conduzir métodos de tortura nas instalação daquela instituição carcerária mesmo assim. Episódio no qual o diretor do Carandiru, pai d’Ele, tombou morto resultado de um ataque fulminante do miocárdio.

A mãe d’Ele, que coordenava o grupo de freiras franciscanas que cuidavam dos filhos recém-nascidos na ala feminina das instalações da instituição carcerária até o término  do tempo mínimo de amamentação necessária para garantir um bom desenvolvimento ao novo brasileiro, enlouqueceu. Precisou de sedação constante por 5 anos após o ataque fulminante do miocárdio do pai d’Ele, o diretor do Carandiru.

Nenhuma janela foi aberta na casa d’Ele durante 5 anos. As vestes eram sempre pretas. Ninguém entrava, a não ser a Dona Edith e o Seu Julio, que ficou cego poucos anos após a morte do amigo, o pai d’Ele. A mãe d’Ele tão pouco se prestou a ir no casamento d’Ele, tamanha a depressão que lhe causou o ataque fulminante do miocárdio do marido 4 anos antes, quando da interrogação por parte da investigação militar sobre os crimes de tortura conduzidos por militares em instalações carcerárias localizadas em território brasileiro, governado por militares.

A esposa d’Ele era uma pessoa muito solar, o que contrastava com a escuridão de sua alma que condizia com a escuridão das janelas não abertas, com a roupa de luto da mãe e com o ambiente onde cresceu: uma casa muito bonita, ampla e arejada com jardins verdejantes no terreno onde se encontrava as alas masculina, feminina, hospitalar  e administrativa da instituição carcerária do Carandiru.

Ao fechar as malas para se dirigirem ao aeroporto e seguirem a Buenos Aires para passarem a lua de mel, Ele se emocionou com a cor do cobertor dado por sua esposa de presente de casamento para si mesmos: roxo e amarelo. Chorou pelo caminho até o aeroporto e durante todo o vôo, pensando que ao chegar em casa, se aqueceria com aquelas cores tão lindas, tão quentes e acolhedoras; cores e com cheiro de flores silvestres e vento na testa.

 

Quando o bebê d’Ele e de sua esposa nasceu – eu – a mãe d’Ele aposentou as roupas pretas e seu luto para não assustar o novo rebento. As janelas foram abertas e ela foi ao mercado comprar castanhas para a nova lactante, minha mãe. Ele, meu pai, tinha o hábito de deixar uma arma carregada na mesa de canto da sala de sua mãe, onde constavam um cinzeiro e um abajour e, agora, uma arma calibre 22, carregada, caso ela sentisse uma recaída de lamento pelo miocárdio de seu finado marido  e precisasse se valer de um alívio definitivo contra a depressão. Ele, meu pai, sabia que podia confiar na estabilidade mental de sua mãe para cuidar do bebê-todo-Salvador quando, ao chegar, via uma toalhinha de renda portuguesa depositada com carinho  sobre o revolver. A luz sempre acesa.

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