7 notações sobre papel - Hay 10, plataforma par(ent)esis
1 A4 como equivalente de uma folha de papel. Espaço virtual como reprodução do analógico.
Estou escrevendo isso no Microsoft Word, onde a tela foi configurada para simular um pedaço de papel. E não qualquer pedaço de papel: o tamanho da página na tela é familiar. É o tamanho de uma página A4: o tamanho que a minha impressora imprime, o tamanho da resma de papel para impressão barata que posso comprar no supermercado, o tamanho reconhecido por todas as fotocopiadoras, scanners e instituições na maior parte do mundo. É a página padrão para impressão, o espaço virtual (que claramente copia o analógico) e que abrimos e olhamos todas as vezes que sentamos para escrever. É tão comum, que nem mesmo sei se reconhecemos o A4 como um formato, uma escolha de tamanho entre outros possíveis. O A4 é a definição de um pedaço de papel.
2 A argumentação para padronização dos tamanhos de papel.
E. J. Labarre, historiador e autor do livro “Dictionary and Encyclopedia of Paper and Paper-Making”, 1952, defende:
Já foi dito que quanto maior a distribuição e mais rápida a troca de uma mercadoria, mais rentável será uniformizá-la. Qual produto pode possuir distribuição mais igualitária e circulação mais rápida que o papel?
Não são necessárias muitas outras considerações para convencer qualquer um sobre a quantidade de tempo e energia que seriam economizados na adoção de padrões uniformes de formato e quantidade no comércio de papel. Observando a tabela de classificação de formatos usados na Inglaterra, vemos poucos negócios que ensejem tamanha multitude de tamanhos e nomes, a maioria deles extremamente variável, A confusa multiplicidade de tamanhos de papel justifica a colonização de seus formatos de forma organizada, uniformizada, mesmo que seja necessário o uso da violência (nesse caso, uma violência física e epistemológica ao mesmo tempo).
3 A questão da tradução: A4 é um A4 em qualquer lugar
El espacio de una hoja de papel (modelo reglamentario, usado en la administración, de venta en las papelerías) mide 623,7 cm2. Hay que escribir un poco más de dieciséis páginas para ocupar un metro cuadrado. Si el formato medio de un libro es 21 x 29,7 cm y desollamos todas las obras impresas conservadas en la Nacional y extendemos cuidadosamente sus páginas unas junto a otras, podríamos cubrir enteramente la Isla de Santa Elena o el lago de Trasimeno. También podríamos calcular la cantidad de hectáreas de bosque que fue necesario talar para producir el papel necesario con que imprimir las obras de Alejandro Dumas (padre) quien, recordémoslo, se hizo construir una torre cada una de cuyas piedras llevaba grabado el título de uno de sus libros.
Georges Perec, Especies de Espacios, 1974. (Kate Briggs, 18 Notes on Paper, 2016. Se lemos as notas de Perec no original em francês, na tradução para o inglês de John Sturrock ou na tradução de Jesús Camarero para o espanhol, essa cifra - essa medida - continua sempre a mesma. A prosa de Perec pode ter sido traduzida para leituras de variados gostos linguísticos, mas o A4 é um A4 em qualquer lugar.
I DID NOT COME TO EARTH TO CRY THE THOUSAND TEARS OF A TARANTULA AND THEN LAUGH WITH HIENAS...AGAIN
4 Grand Eagle x Grand Aigle x grande águia: a metáfora da tradução.
Como formatos, Grand Aigle, Grand Eagle são praticamente equivalentes, mas de forma alguma intercambiáveis. O Grand em francês encampa uma área ligeiramente maior daquilo que linguistas chamam de "campo semântico" do que o Grand em inglês. O grande em português vem sempre em letra minúscula, apesar de abranger um território linguístico múltiplo e especulativo (especular, um espelho sincrético; um oposto de ti equivalente, mas não intercambiável), como estrutura de um corpo colonial que opera entre o autofagocitado e o forçar-se a fagocitar. Campo infinito, esse, mas com letra minúscula. Seja em francês ou inglês, o Grand é título, uma mera imagem: o maiúsculo carrega conotações de magnificência e auto-importância dentro de um campo semântico específico. O grande do português é a medida da linha que tece e retece seu espaço de acordo com sua necessidade de movimento e de fala. Essa discrepância entre os espaços de papel - entre seus nomes, entre a diferença significativa de tamanho e entre os formatos - quando são traduzidos de um para o outro, parece-me agir como uma metáfora, talvez a metáfora mais reveladora que já encontrei para a relação entre o original e sua tradução. (Lembrando que, como a linguagem, o papel teria uma gramática, feita de prefixos, sufixos e adjetivos).
5 A escala dos papéis ISO (série A, B e C).
A grande vantagem do formato A4, além de sua traduzibilidade perfeita, tem relação com a escala: todos os tamanhos de papel do padrão internacional ISO (séries A, B e C) são baseadas na mesma proporção (de 1/ √2). Isso significa que é possível ampliar de um A4 para um A3, multiplicando por dois seu tamanho, ou diminuir um A3 para um A4, através de uma dobra no papel, sem recorte ou sobra, mantendo sempre a mesma proporção. Por exemplo, death + salt dá South. South, com uma dobra, dá mar, com sobra, que recorta todo um continente. E ainda: death + norm dá North. Norm com uma dobra ao meio, dá mais uma dobra.
6 Padronização dos espaços
E. J. Labarre previu uma outra vantagem: o efeito que as dimensões de página estáveis teriam sobre o design dos espaços onde escrevemos e imprimimos. Com um tamanho de papel retangular padrão, também seriam padronizadas as gavetas, e por consequência, as mesas onde estão encaixadas as gavetas, os cômodos construídos para as mesas, até mesmo os prédios que acomodam os cômodos, e assim por diante. Amanhã é outro dia, e eu não sei se vai vir com alegria. Vamos trabalhar em paz, porque: lalara, lairala, lara, lara, lara. Laia, laia, lalaia, lalaira...laiaaaaa
7 Obsolescência da diversidade dos papéis
Perec escrevia sobre o A4 em 1973, apenas seis anos depois da implementação da padronização do papel na França. O advento da padronização deve ter sido percebido como algo inédito. Marcou também o início da obsolescência da grande diversidade de tamanhos de papel em uso até então. E marcou o início da prática da obsolescência como política pública, programada.
No final do ensaio traduzido para o português, Perec sugere que independente das políticas de padronização de papel, o momento do escrever é ao mesmo tempo nostálgico do que foi esquecido no passado, mas carrega a esperança da leitura que está no futuro: tratar de reter algo meticulosamente, de conseguir que algo sobreviva; de arrancar algumas migalhas precisas do vazio que se escava continuamente, deixar em alguma parte um sulco, um rastro, uma marca ou alguns signos.
Silêncio,
vai embora,
me deixa,
perdão...
I’m sorry, brothers and sisters, if I feel sad and confused