Textos transitáveis | Espaços transitivos - Images festival and WARC, Toronto
- Daniela Castro
- 4 de jan. de 2007
- 3 min de leitura
São inúmeras as afirmações sobre as impossibilidades da tradução, seus limites, sua incapacidade de transferir com fidelidade um significado de um signo de uma língua para outra.
À vista de Jackobson, ao traduzir uma língua para outra, substituem-se mensagens em uma das línguas não por unidades de códigos separadas, mas por mensagens inteiras de outra língua. Tal tradução é uma maneira de discurso indireto: o tradutor recodifica e transmite uma mensagem recebida de outra fonte. Assim, a tradução envolve duas mensagens equivalentes em dois códigos diferentes. A equivalência na diferença é o problema principal da linguagem e a principal preocupação da Lingüística[1]; é também o principal foco de atenção em Translations | Traduções.
Vemos o processo de transposição dos trabalhos de seus contextos específicos para outro como um processo de tradução. O contexto especifico, aqui, diz respeito não somente às esferas sociais, políticas e culturais que enquadram o lugar onde as artistas elaboraram seus projetos, mas também do aspecto site-specific de cada um deles. Raquel Garbelotti disjunta o mecanismo do que poderia ser uma pesquisa antropológica sobre os Pomeranos na região do Espítirto Santo; Alice Micelli pretende dar visualidade à invisibilidade radioativa da zona de exclusão de Chernobyl; Giselle Beiguelman e Vera Bighetti apontam para o imediatismo do entendimento das possibilidades do espaço virtual definido pelas limitações do espaço físico.
O que se enuncia no caso de transposição/tradução dos trabalhos para as especificidades de um outro contexto (Toronto) é uma topografia irregular de conceitos, de intenções, de abordagens ao fazer artístico, que resistem a uma tradução de adjetivação (como do tipo Brazilian, women artists’ works), para uma de substantivação: o substantivo, the noun; o que há de substancial nas propostas intelectuais e artísticas de cada trabalho.
Ou seja, entendemos que o risco de um achatamento dessa topografia irregular seria um gesto tecnocrático e desatento frente à possibilidade de compreensão sobre a força criativa que emerge do espaço entre um sistema de significação e outro. Numa tradução não há caminhos fáceis, de equivalência direta, já que cada língua tem seus próprios sistemas de significar. O projeto tradutor - entendido aqui tanto como suporte conceitual para apresentação dos trabalhos nesse trânsito linguístico e espacial, quanto como a “tradução” de um conceito inicial em qualidade (i)material nos trabalhos das artistas – se apresenta como projeto “constelativo entre diferentes presentes, e como tal, desviantes e descentralizadores”[2].
E como não seriam desviantes se tratamos aqui de uma topografia antropologicamente imaginada/ficcionada (Garbelotti), uma topografia invisível (Micelli) e uma topografia improvável (Beiguelman & Bighetti)? Translations | Traduções é uma operação que acontece entre lugares; um itinerário que procura mostrar as filiações textuais e institucionais e dos corpos que se movem entre elas, sobretudo o do artista. É um informational site[3], um locus de sobreposições de textos, fotografias, vídeos, espaços físicos e coisas.
Da suposta incomensurabilidade dos sistemas, a tradução figura como locus para investigar o contato intercultural a partir de intrusões, fusões e disjunções. A tradução é um site privilegiado para se investigar as relações de poder e alteridade.
Tentamos não arriscar fazer um desvio semântico do termo, e sim uma dilação semântica dos limites da tradução como possibilidades, como forma plástica e viva com a qual se aborda os projetos artísticos presentes nessa exposição.
[1] Roman Jackbson, Lingüística e Comunicação. (São Paulo: Editora Cultrix), pág. 65
[2] Jorge Menna Barreto. Lugares Moles. Dissertação de Mestrado defendida na Escola de Comunicação e Artes – Universidade de São Paulo, 2007. Orientadora Ana Maria Tavares.
[3] Ver James Mayer, “The functional site” in Documents Magazine, EUA, 1996, pág. 20-29. Apud Jorge Menna Barreto, op. cit. pág. 12